terça-feira, 1 de novembro de 2011

A política de cotas é uma boa resposta às desigualdades sociais relacionadas às minorias étnicas??

Não é tarefa fácil falar sobre políticas de cotas e igualdade racial. Este é um tema sensível e requer certo cuidado ao analisá-lo. Um importante intelectual brasileiro diz que "a questão racial parece um desafio do presente, mas tem sido permanente". (IANNI, Octávio, A Dialética das Relações Sociais). Ou seja, desde a assinatura da Lei Áurea, este tema vem sendo debatido, ora com mais intensidade, como agora, ora com menos, como por exemplo em épocas festivas, mas ele nunca foi extinto, principalmente das Universidades, onde os debates costumam ser mais acalorados."Durante os últimos 10 anos, numerosos intelectuais negros, como Abdias do Nascimento, Carlos Alberto Medeiros, Paulo Roberto dos Santos e Frei David Raimundo dos Santos, formularam propostas para que os negros recebessem tratamento preferencial na admissão ao funcionalismo público e se beneficiassem de um sistema de cotas para estudantes negros nas universidades" (D'ADESKY, Jacques, Pluralismo Étnico e Multiculturalismo). Segue o autor dizendo que "é interessante observar que a questão da política de tratamento preferencial ou de ação afirmativa tomou, após 1995, forte impulso nos debates dos militantes negros do Brasil".O resultado desta forte militância, se deu com a criação em 2003 do Estatuto da Igualdade Racial, enviado ao Senado Federal pelo Senador Paulo Paim do PT-RS, que até então só é útil para gerar debates apimentados entre políticos, intelectuais, grupos étnicos, Ong's, entre outros.Frente a este cenário, intelectuais pró e contra o Estatuto resolveram redigir um manifesto em defesa dos seus ideais com relação ao tema. Portanto, nossa proposta aqui, não é emitir juízo de valor, ou problematizar esta questão, e sim pontuar algumas questões mais relevantes.O manifesto contra a política de cotas foi intitulado: "Todos têm direitos iguais na República Democrática". Destacando os principais pontos, diz o seguinte: "O princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos é um fundamento essencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição brasileira". Este princípio encontra-se ameaçado de extinção por diversos dispositivos dos projetos de lei de Cotas (PL 73/1999) e do Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000) que logo serão submetidos a uma decisão final no Congresso Nacional.O PL de Cotas torna compulsória a reserva de vagas para negros e indígenas nas instituições federais de ensino superior. O chamado Estatuto da Igualdade Racial implanta uma classificação racial oficial dos cidadãos brasileiros, estabelece cotas raciais no serviço público e cria privilégios nas relações comerciais com o poder público para empresas privadas que utilizem cotas raciais na contratação de funcionários. Se forem aprovados, a nação brasileira passará a definir os direitos das pessoas com base na tonalidade da sua pele, pela "raça". A história já condenou dolorosamente estas tentativas.Aos que se posicionam a favor, podemos destacar o seguinte: "Manifesto em favor da lei de cotas e do estatuto da igualdade racial"."A desigualdade racial no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não será alterada significativamente sem a aplicação de políticas públicas específicas. A Constituição de 1891 facilitou a reprodução do racismo ao decretar uma igualdade puramente formal entre todos os cidadãos. A população negra acabava de ser colocada em uma situação de completa exclusão em termos de acesso à terra, à instrução e ao mercado de trabalho para competir com os brancos diante de uma nova realidade econômica que se instalava no país. Enquanto se dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias políticas de incentivo e apoio diferenciado, que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para estimular a imigração de europeus para o Brasil.Esse mesmo racismo estatal foi reproduzido e intensificado na sociedade brasileira ao longo de todo o século vinte. Uma série de dados oficiais sistematizados pelo IPEA no ano 2001 resume o padrão brasileiro de desigualdade racial: por 4 gerações ininterruptas, pretos e pardos têm contado com menos escolaridade, menos salário, menos acesso à saúde, menor índice de emprego, piores condições de moradia, quando contrastados com os brancos e asiáticos. Estudos desenvolvidos nos últimos anos por outros organismos estatais demonstram claramente que a ascensão social e econômica no país passa necessariamente pelo acesso ao ensino superior.Foi a constatação da extrema exclusão dos jovens negros e indígenas das universidades que impulsionou a atual luta nacional pelas cotas, cujo marco foi a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida, em 20 de novembro de 1995, encampada por uma ampla frente de solidariedade entre acadêmicos negros e brancos, coletivos de estudantes negros, cursinhos pré-vestibulares para afro descendentes e pobres e movimentos negros da sociedade civil, estudantes e líderes indígenas, além de outros setores solidários, como jornalistas, líderes religiosos e figuras políticas - boa parte dos quais subscreve o presente documento. A justiça e o imperativo moral dessa causa encontraram ressonância nos últimos governos, o que resultou em políticas públicas concretas, dentre elas: a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, de 1995; as primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, em 2001; a criação da Secretaria Especial para Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003; e, finalmente, a proposta dos atuais Projetos de Lei que estabelecem cotas para estudantes negros oriundos da escola pública em todas as universidades federais brasileiras, e o Estatuto da Igualdade Racial.O PL 73/99 (ou Lei de Cotas) deve ser compreendido como uma resposta coerente e responsável do Estado brasileiro aos vários instrumentos jurídicos internacionais a que aderiu, tais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais recentemente, ao Plano de Ação de Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001. O Plano de Ação de Durban corrobora a ênfase, já colocada pela CERD, de adoção de ações afirmativas como um mecanismo importante na construção da igualdade racial, uma vez aqui que as ações afirmativas para minorias étnicas e raciais já se efetivam em inúmeros países multi-étnicos e multi-raciais semelhantes ao Brasil. Existe uma forte expectativa internacional de que o Estado brasileiro finalmente implemente políticas consistentes de ações afirmativas, inclusive porque o país conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com leis que outorgaram benefícios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os mesmos benefícios à população afro-brasileira.Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluímos que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é um dos mais extremos do mundo. Para se ter uma idéia da desigualdade racial brasileira, lembremos que, mesmo nos dias do apartheid, os negros da África do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a dos negros no Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades sul-africanas, ainda na época do apartheid, era bem maior que a porcentagem dos professores negros nas nossas universidades públicas nos dias atuais. 

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